Mar Negro 2

Mar Negro de Motocicleta 2

A história começou na Parte 1.

26 de Maio de 2011 - - - De Ardahan a Trabzon - Turquia
Passamos uma noite confortável no pequeno e único hotel desta minúscula cidadezinha no Nordeste da Turquia e decidimos fazer a rota para Trabzon onde temos que pegar o ferry para a Rússia dia 27 à noite.

Ligamos as motos às 8:30 hs da manhã, como de hábito, e aqui devo elogiar meus amigos italianos por sua disciplina e pontualidade nas partidas.

Uma viagem em grupo requer uma disciplina bastante rígida para evitar atrasos e jornadas demasiadamente longas desnecessariamente.

A rota que escolhemos para chegar a Trabzon, seria através das grandes montanhas no nordeste da Turquia e as estradinhas prometem ser bastante interessantes nos 450 kms que nos separam do porto de saída para a Rússia.

Como informei antes, esta é a única maneira de chegar a Sochi no Cáucaso russo, pois a fronteira comum com a Geórgia está fechada desde a guerra entre os dois países.

Entramos na estradinha de montanha, meu GPS indica 1600 ms acima do nível do mar. O ar é fresco e claro. Céu azul, o dia promete.

Vamos percorrendo paisagens dramáticas, sempre ao longo de rios de corredeiras e curvas suaves e deliciosas. Vou brincando com a moto. Escolhi SuperTramp no Ipod e vou curtindo minha banda favorita.
O grupo se desenvolve bem, com Cláudio de tempo em tempo disparando na frente para fazer algumas tomadas para o filme que costumamos fazer a cada viagem.

Na metade do dia, tomamos uma pequena estrada bem indicada no mapa e percebemos que os próximos 97 kms deverão ser de terra. Sem invalidar a beleza da estrada, percebo que dois dos três casais que viajam conosco estão tensos. Nessa mesma manhã tinham-se recusado de fazer 5 km para visitar um mosteiro porque era uma estradinha não pavimentada. Confesso que para mim, é super divertido.

Já que não podemos voltar pois teríamos que acrescentar uns 270 kms ao percurso do dia que já é longo em se considerando a condição das estradas, fomos levando pela estrada de terra com nossas pesadas motos.

A minha GSA gosta de terra e hoje vejo na sua incrível suspensão telelever algo que faltava nas nossas arcaicas Hondas XL dos anos 80, do século passado. Quando estou sobre minha GSA em uma estradinha de terra de montanha, lembro dos passeios que fazíamos pelas serras da Mantiqueira e do Mar no interior de São José dos Campos. Eram jornadas inesquecíveis, cheias de adrenalina e profunda diversão.

Infelizmente, para alguns, a estrada de terra pode ser motivo de tensão e stress.
Beppe e sua mulher, em uma passagem de lama foram ao chão. Caindo sobre o braço, ela acabou fazendo uma entorse no punho. Algo sem gravidade mas que a deixou com medo.

Imobilizei o punho, mais como consolo psicológico para ela do que propriamente uma solução. Sugeri ao Beppe de levá-la comigo na garupa e ele aceitou de bom grado. Aproveitei para dar-lhe uma explicação de como rodar na estrada de terra sem que esta pareça ser diferente do asfalto.

O que muda, expliquei a ela, é a forma de conduzir e o nível de atenção que você precisa ter em relação à superfície. Você precisa estar atento a qualquer irregularidade e fazer sua escolha de passagem.
Ela pareceu mais tranqüila e fomos assim, por 60 kms até encontrar novamente o asfalto onde ela passou à moto de seu esposo.

À noite, refletindo sobre estes últimos dias em companhia deste grupo de amigos, cheguei à conclusão que prefiro continuar a viagem sozinho pois os lugares que quero visitar no entorno do Mar Negro não são exatamente os mesmos do restante do grupo.

A viagem em grupo demanda certas concessões , sobretudo com a presença de esposas. A minha, Graça, grande companheira de muitos kms, tem a sabedoria de decidir em qual viagem ela quer, ou não quer, ir.

Alguns parceiros não dispõem de uma esposa com essa sensibilidade e acabam trazendo a companheira para viagens onde as estradas são ruins, os hotéis fuleiros, chove muito, as fronteiras são longas e complicadas, os dias se tornam intermináveis, a comida é esquisita, etc.

Portanto, a minha conclusão é: viagem com parceira em grupo, só se todos estiverem com parceiras. Esta manhã informei a todos que, na chegada do barco amanhã a Sochi, eu continuarei em torno do Mar Negro sem me deter nessa cidade que sediará os jogos olímpicos de inverno de 2014. Eles continuarão a seu ritmo e eu, ao meu. Assim evitamos frustrações para todos.

Neste momento, estamos a bordo de um pequeno barco, equipado de 12 cabinas, aguardando para zarpar em direção a Sochi, onde chegaremos amanhã as 9 horas da manhã. A cabine, que divido com três italianos, quase como um dormitório de estudantes, tem três camas e eu já percebi que a minha está quebrada. Falta de sorte. Veremos como estará a minha coluna amanhã.

As motos estão acondicionadas no porão do navio, apoiadas contra a parede contra um velho colchão. Modo ainda não visto de fixar a moto em um navio. Como este aqui é uma "banheira", pode ser que jogue muito mais do que o previsto ou do que o desejável.

Pela manhã, os procedimentos de imigração e de alfândega russa prometem ser demorados. Tenho minhas dúvidas se não vai dar rolo o fato de que eu não preciso de visto por ser brasileiro. Será que o agente de imigração do porto em Sochi, nos confins do Cáucaso russo sabe disso?
Amanhã eu conto para vocês.

27 e 28 de Maio de 2011 - - - Ferry de Trabzon (Turquia) para Sochi (Rússia)
O episódio do ferry e as 14 horas que passamos dentro do navio (?), dão material para um capitulo à parte nos relatos desta divertida viagem. Como já contei antes, passei meses perseguindo informação sobre esse (maldito) ferry de Trabzon, importante cidade no nordeste da Turquia e Sochi, no Cáucaso russo. Acho, de maneira geral, os ferrys muito práticos para encurtar tempo entre etapas complicadas ou, que geograficamente exigem um grande desvio.

Na Europa há muitos, por exemplo: se você quiser ir da Itália à Grécia, pode ir por Veneza e Trieste, cruzar toda a Eslovênia, a Croácia, o Montenegro e Sérvia, atravessar a Albânia (que eu não recomendo) ou, a Macedônia, (aqui, você vai ficar obrigado a atravessar o Cossovo). Com isso, sua viagem deve durar, pelo menos, três dias.

Se você já conhece todos esses países e seu objetivo é a Grécia, vale a pena pegar um ferry em Ancona, navegar por 16 horas durante a noite e acordar novinho em folha na manhã seguinte para realmente começar sua viagem.

No caso deste ferry entre Trabzon e Sochi, a razão é um pouco mais sinistra. Há uma guerra não declarada entre a Rússia e a Geórgia e, portanto, não há fronteira por terra possível que permita a nossa volta ao Mar Negro. O problema que, devido aos problemas de imigração e alfândega da Rússia, ninguém sabe a que hora o tal do navio zarpa.

Conseguimos comprar as passagens na manhã do dia da partida (27/5).

Fomos instruídos pela companhia de navegação a estar com as motos no porto às 14hs. Uma vez liberadas as motos pelas autoridades turcas, teríamos que estar no terminal de passageiros do porto às 17 hs.

A cada vez que perguntávamos qual era o horário da partida, vinha uma resposta meio evasiva, tipo: Ah.... 7 ou 8.... Quando chegamos com as motos ao porto, vimos um barco de boas dimensões e outro, pequenino, ao lado.

Fomos, com as motos, direto ao navio maior.... Ha, ha, não era aquele. Nosso navio era uma banheirinha, com 12 cabines. Embarcamos e o pessoal do "navio" se apressou a nos ajudar com a fixação das motos.

Em geral, nesse tipo de transporte, você tem uma fita de fixação que é ancorada no piso do porão, passa sobre a sela da moto e é fixada do outro lado, sempre no piso. Como dica, se um dia vocês tiverem necessidade de fixar a moto em um ferry, coloque as suas luvas sobre a sela onde a fita tirante passa e assim, você evita qualquer dano à sela da moto. Os nossos amigos, aqui da Rússia, fazem diferente. Colocam a moto apoiada contra a parede do navio onde previamente foi encostado um colchão de espuma velho.

Depois, passam uma fita imensa ao longo da moto. Tempo bom, o mar não se esperava estar muito agitado, portanto sem necessidade de amarrar tanto assim as motos.... Subimos para nossas cabines. Os casais, 3, tinham direito a cabines para duas pessoas. Nós, os 3 solteiros, compartiríamos uma cabine. Dividir a cabine com meus dois amigos de empreitada não é realmente um grande problema.
Complicado mesmo, foi dividir a pequena cabine com seis botas!!!!

O navio zarpou às 9 horas da noite, 4 horas depois de termos embarcado. Serviram um jantar de arroz com peixe que eu não me atrevi a comer. Não há muita gente a bordo e o fim do dia está muito bonito. Ficamos na ponte para curtir o sol e a brisa marinha. Logo, golfinhos seguem o navio. É sempre um espetáculo pela maneira como brincam com a esteira deixada pela nave. Há um bar onde se instalam os passageiros turcos para fumar e beber. E como fumam. Há passageiras do sexo feminino.

De repente somos abordados por uma passageira russa que pergunta se não a queremos convidar para um "drinque"..... Você já viu esse filme antes? Pois é, as moças operam no ferry. E de ida e volta!
Não deu outra, passamos a chamar o navio de "Love Boat". Confesso que pela manhã, acabei usando o serviço de uma delas.... Calma. Não é o que vocês podem estar pensando, foi só para preencher o formulário de alfândega que estava em russo... Como esta falava um pouco de inglês, aproveitei e ofereci uma "graninha" para preencher os nossos 12 formulários... Depois de uma noite mais ou menos mal dormida, por causa da cama que estava quebrada, chegamos a Sochi com sol e golfinhos, em torno das 13 horas.

Nosso navio fez em torno de 6 nós de velocidade durante toda a noite... Lento. Descemos para soltar as motos e colocar a bagagem. Ficamos esperando no porão quase uma hora para poder desembarcar.
Os passageiros ali, todos amontoados na porta do navio e um russo vem e diz:
Bikers, bikers, imigração primeiro, depois as motos. Passamos a imigração sem grandes problemas. Meu passaporte brasileiro, sem visto, foi uma surpresa para a agente de imigração que logo puxou uma lista e confirmou que tudo estava bem.

O problema veio depois, o agente da companhia de navegação teve que preencher três formulários para cada um dos proprietários das motos, obviamente em russo, e para isso levou 2 horas!

Em seguida, os três formulários por moto foram entregues a um agente de alfândega que levou mais duas horas colocando os dados no computador.... Bem, se vai colocar no computador, para que fazer preencher e assinar os formulários manualmente?

Conseguimos deixar o porto às 17 horas e aqui eu me despedi de meus amigos para continuar a viagem em solo como havia informado anteriormente. Em Sochi, uma bela cidade freqüentada pela elite Russa, onde o próprio Putin tem uma casa, a primeira coisa que fiz foi procurar um posto de gasolina pois tinha evitado de colocar combustível na Turquia onde a gasolina custa 3 dólares o litro. Na Rússia o preço do litro de 95 é 1 dólar.

Nos postos russos, se você quer pagar com cartão, precisa passar no caixa antes e dizer quantos litros quer colocar no tanque. Escrevi em um papelzinho que queria 20 litros de 95. Ela aquiesceu com a cabeça e me mandou o papelzinho de volta escrito: PIN
Eu perguntei em meu Russo quebrado: O que, PIN?
Ela disse, me dá o numero de PIN (código secreto) de seu cartão de crédito para eu colocar na máquina....
Certo. Seria a primeira vez que eu daria o código de meu cartão de crédito a alguém...

Peguei a estrada em direção ao norte logo em seguida. Belo fim de tarde, estrada travada ao longo da costa com muitas curvas, caminhões e gente voltando do trabalho.

Consegui fazer 250 kms em 4 horas nesse dia e achei um pequeno balneário bem organizado com um hotel herdado do período soviético que me aceitou como hóspede por uma quantia razoável. Na Rússia, a gasolina é barata, mas hotel e restaurante são super-caros. Fui jantar em um pequeno restaurante com música ao vivo curtindo o fato de poder estar só depois de duas semanas passadas constantemente em companhia dos amigos. E o melhor de tudo, é poder ter contato com a gente local.
Ter tempo para as pessoas que tem curiosidade sobre você, a motocicleta e a viagem.

29 de Maio de 2011---- De Gelendzhik (Rússia) para Yalta (Ucrânia)
O lugar que decidi fechar o dia para pernoite é Gelendzhik, uma animada cidadezinha de veraneio para as elites russas, com seu passeio ao longo da praia e seus jardins bem organizados de onde se notam belas fontes de água e uma limpeza irretocável. Bem que poderia ser a frente de mar de Fort Lauderdale, Atlantic City, ou qualquer outro lugar nos Estados Unidos.

A única diferença seria o tamanho dos hotéis de veraneio (construídos no período socialista, são enormes!) e, obviamente a música russa que é tocada em cada um dos restaurantes em um volume exageradamente alto.

Jantei animado por música pop russa entretanto, decidi ir dormir relativamente cedo pois teria o dia seguinte bastante cheio.

Quando você, vindo pela Rússia, se aproxima da Criméia esta península mítica no Mar Negro, objeto de tanta cobiça por parte de Romanos, Bizantinos, Otomanos, Russos e, mais recentemente, Ingleses, a primeira coisa que vai perceber é o vento. Forte, constante, lembra aquele vento da Patagônia que te obriga a fazer curvas de 50 kms de distância, sabe?

Em seguida, você percebe os vinhedos e logo após, a maravilhosa paisagem.

Fui chegando à Criméia pela faixa de terra Russa que leva ao estreito de Kerch, uma passagem estreita entre o mar de Azov e o Mar Negro.

Devo dizer que fiquei impressionado de ver o desenvolvimento da Rússia desde que estive com a Graça, minha mulher em outra viagem de moto em torno do Mar Báltico, passando por São Petersburgo, em 2005.

As velhas construções da época Soviética que estavam caindo aos pedaços vão sendo substituídas por modernos edifícios e casas de estilo ocidental.

A livre iniciativa é evidente e, o gosto pelo consumo é absolutamente presente, quase uma religião para os russos de hoje. A pergunta sobre a moto é sempre: Quanto custa?

Há entretanto, duas coisas que não mudaram na Rússia moderna ,em relação àquele "paquiderme lento e engessado" que era a União Soviética: A burocracia e a corrupção na polícia.

Pela boa estrada que me levava à fronteira Russa, num belo domingo de sol, fui apreciando os muitos quilômetros de vinhedos recém plantados e não pude deixar de refletir que até poucos anos atrás, todo o vinho consumido na Rússia e nos países do CIS, era produzido pela Geórgia.

Hoje, com as relações políticas e econômicas cortadas com o pequeno vizinho no sul , a Rússia se organiza para produzir seu próprio vinho e, haja visto a extensão do cultivo, o projeto é absolutamente ambicioso, enorme.

Cheguei à barreira da fronteira russa.

Aqui, em um povoado de nome impronunciável, devo tomar uma balsa que, em meia hora me levará a Kerch, do lado Ucraniano.

Deixo a moto aos cuidados de um casal no primeiro carro da fila e vou ao interior do edifício para comprar a passagem da balsa.

Para dar a idéia do procedimento de saída na burocracia russa, mesmo correndo o risco de ficar um pouco chato, vou reproduzir aqui o mail que mandei a Cláudio, um de meus amigos italianos que deveria passar com o grupo um pouco mais tarde nesse mesmo dia:
Quando você chegar à barreira para automóveis na fronteira, procure por um senhor de uniforme azul que preencherá um "cupom" com o tipo e dimensões da moto.

Ele se encontra à esquerda da fila de carros, em uma casinha azul.

Depois de preencher o cupom, vá com ele ao escritório de venda de bilhetes, apresente esse mesmo cupom e compre a passagem, que só pode ser paga em Rublos.

Volte para a moto e, quando a barreira se abrir, vá para o lado esquerdo do edifício onde você terá que passar em uma pequena janela para o primeiro controle de passaportes.

Passe o primeiro portão e, à esquerda você devera ir a um guichê, (que curiosamente fica na altura de seus joelhos e, portanto para falar com a moça dentro você precisa se ajoelhar...) e ela pedirá o formulário que recebemos na entrada da Rússia para a legalização da moto. Além de cancelar o formulário de entrada, preencherá outro, em russo, que você vai assinar e novamente, fará fotocópias de seu passaporte e do documento de propriedade da moto.

Uma vez terminada essa etapa, ela lhe entregará uma senha com um número, que você deverá passar ao agente de polícia uns 10 metros mais adiante.

Em seguida, um policial acompanhado de um simpático Cocker Spaniel virá cheirar sua bagagem e moto. (O Cocker vai cheirar, não o agente russo.)

Isto, para ver se você não carrega drogas ou explosivos.

Na seqüência, vem o agente de aduanas para fuçar dentro dos bagageiros da moto e ver se você não leva algum tipo de tesouro russo que não pode deixar o país.

No meu caso, ele encontrou um tesouro de roupa suja.

Agora, vem o controle de passaporte para o carimbo de saída. Aqui, o problema que eu não tive na entrada pela isenção de visto para brasileiros, se torna um problema na saída pois eles não dispunham da lista de países que são isentos de visto.

Imagine o número de brasileiros que passam por este fim de mundo a cada ano.... Provavelmente sou o único na história...

A cópia do acordo, em Russo e em Inglês, entre o Governo do Brasil e o Governo da Federação Russa que gentilmente me foi cedida pela Embaixada do Brasil em Moscou, com a intervenção de amigos comuns, serviu para informá-los que este motociclista em questão não tinha entrado ilegalmente no país.

Finalmente sou liberado e, após um novo controle feito pelo chefe de todos eles para saber se todos os carimbos estavam no lugar certo, passo o portão final e posso embarcar no pequeno navio que me levará Ucrânia.

Simples, né? Sobretudo quando todas essas discussões ou instruções são dadas em russo e ninguém fala palavra de nenhuma outra língua. Ufa!

A travessia do estreito foi simpática com muita gente rodeando a moto para examiná-la e perguntando de onde eu venho. Quando dizia que era do Brasil, expressões de admiração e simpatia se registravam rapidamente nos olhares tristes deste povo do norte.

Eduardo Wermelinger tem razão: É muito bom ser brasileiro. (Adorei o vídeo dele com a bandeirinha e o hino do Brasil em rock!!!)

O procedimento de imigração e alfândega do lado Ucraniano foi um pouco mais simpático porém igualmente demorado.

Aparentemente, quando chegamos, os agentes de imigração tinham saído para almoçar .

Achei que isso só acontecesse na França...

Aqui, tive um problema curioso: Por não precisar de visto, usei meu passaporte brasileiro na Rússia.
Na Ucrânia, é mais conveniente usar meu passaporte espanhol pela mesma razão. Bem, obviamente o agente não achava os carimbos russos no meu passaporte espanhol.

Ele perguntou se eu tinha um outro passaporte. Confirmei que tinha duas nacionalidades, passei a ele o passaporte brasileiro para que ele se certificasse que eu estava vindo da Rússia, e o assunto foi resolvido.

Quatro horas após o início deste cansativo processo, morto de sede e fome, fui finalmente liberado para rodar com minha fiel BM pelas estradinhas irregulares que definem as belas paisagens da Península da Criméia.

Os 350 kms que me separavam de Yalta seriam o passeio do dia.

Andei uns 100 kms e parei para almoçar em um pequeno restaurante na beira da estrada.

A comunicação foi impossível. Como ele não tinha Menu, fiz sinal que queria comer e pedi que ele trouxesse qualquer coisa. Veio "borsch" uma sopa de origem russa onde vai de tudo dentro. Contendo beterraba, ela tem uma cor avermelhada. É, entretanto, nutritiva e serviu perfeitamente para matar a fome que eu tinha.

Nos 250 kms que me separavam de Yalta, escolhi tomar a estrada de costa através das montanhas.

De maneira geral, a Península da Criméia é plana exceto na região sudeste onde se encontra uma bela cadeia de montanhas.

Levando a moto com cuidado pois já estava um pouco cansado e, para completar o quadro, começou a chover, fui avançando em direção à bela cidade de Yalta, onde cheguei em torno das 18 horas, após ter sido parado pela polícia por excesso de velocidade.

A policia Ucraniana tem um grande senso de previdência social. Eles te param, ameaçam que vão te multar e, se você negociar, eles recebem um dinheiro que, seguramente, irá para o "Fundo Ucraniano de Corrupção de Policiais (FUC Police)".

No meu caso, não deu muito certo. Vai faltar no fundo de pensão deste mês.

Na próxima eu conto sobre essa turma que se dedica a caçar estrangeiros para "criar o problema e vender a solução".

30 de Maio de 2011 - - - de Yalta a Odessa - Ucrânia
Yalta é realmente uma linda cidade. Localizada em um pequeno espaço de terra, espremida entre mar e montanha, o seu Passeio Marítimo é bem organizado e harmonioso.

É simpático ver uma grande quantidade de edifícios históricos apropriadamente conservados e sobretudo, bem integrados ao contexto moderno da cidade.

É raro ver isso nos países oriundos da Cortina de Ferro onde, de maneira geral, o descaso com a estética é evidente.
Gostei de ver uma bela estátua de Lênin na praça principal da cidade.

Com a derrocada do comunismo, confundiu-se muito, memória histórica com memória ideológica e muito do culto ao regime foi destruído como reação a tantos anos de repressão e penúria.

Hoje, entende-se que personagens como Lênin, Trotsky, Checkov ( O grande herói da defesa russa contra a invasão nazista de 1941 a 1945) e outros, merecem seu lugar nas praças das ex-repúblicas soviéticas pois devem ter seu lugar na memória do povo e, além do mais, os pombos sempre precisam de uma estátua para fazer cocô encima, certo?
Minha viagem neste dia seria tranqüila, sem passagem de fronteira, sem montanhas, sem chuva pois o dia já estava quente às 9 hs da manhã quando peguei a estrada para os 580 kms de distância até Odessa, a bela cidade sempre às margens do Mar Negro. Nome mítico e recorrente nos livros de espionagem, Odessa está ligada ao desaparecimento do ouro das reservas da República Espanhola, em 1938, enviado aqui para protegê-lo das tropas de Franco que ameaçavam entrar em Madrid.

Bom, mas isto é outra história, fica muito longo para contar.

A estrada, um tanto quanto irregular de superfície, porém reta e bem nivelada, permitia viajar confortavelmente a 100, 110 kms/h.

O problema é que logo em seguida à minha partida de Yalta, recebo de um motorista uma piscada de faróis, sinal internacional contra controle policial.

Reduzo a velocidade para os regulamentares 90 km/h e, efetivamente, percebo uma viatura de polícia com um radar de tripé instalado e em funcionamento em minha direção.

Apesar de passar em velocidade legal, tenho sempre a impressão que vou ser parado por estar em uma grande motocicleta e simbolizar o que este pessoal acredita ser um "estrangeiro rico" e presa fácil para um pequeno botim.

No dia anterior, a 20 kms de Yalta, fui parado por dois policiais por excesso de velocidade.

Eu estava a 84 km/h em uma estrada claramente para 90 km/h, segundo as regras locais anunciadas em um painel logo à passagem de fronteira.

Esses painéis sempre estão na entrada de cada país e convém sempre perder um minuto para estudar as velocidades permitidas em cidade, estrada e auto-estrada.

Ficava claro para mim que os dois policiais queriam melhorar sua aposentadoria comigo.

Estava a 20 kms de meu hotel e, depois de viajar por 10 horas, não me sentia muito inclinado a ceder.

Sou horrível de mau humor, mas estes dois diligentes policiais ucranianos ainda não sabem disso.

Quando o "tira" me disse que estava em excesso de velocidade, e mostrou minha foto na máquina, eu protestei veementemente dizendo que esta é uma estrada para 90 km/h.

E, aproveitando a poeira no parabrisa da viatura, desenhei com o dedo os 90 dentro do círculo, como aqueles que escrevem com o dedo em carro sujo: "ME LAVE".

No fim, vendo que meu argumento não estava funcionando, dei minha Habilitação Internacional a ele e disse que fizesse o "protocol", que é como se chama "multa" em Russo.

Virei as costas e voltei para minha moto, sem lhe dar mais atenção.

Nesse momento vejo que seu companheiro lhe diz algo apontando para o relógio. Eram 19 hs e obviamente o parceiro queria ir embora.

Ele veio novamente junto a moto e perguntou em algo de inglês, se eu poderia fazer algo por ele.

Eu disse, com o olhar mais puto que posso ter, em voz muito baixa mas carregada de ódio: Faça a multa!

Ele voltou ao carro e veio logo em seguida, praticamente jogando minha Habilitação sobre a sela, sem falar nada.

Entraram na viatura e foram embora, me deixando ali, com um pequeno sorriso de vitória nos lábios.

Na Ucrânia, os policiais fazem questão de caçar estrangeiros para engordar seu fim-de-mês.

Eu abomino qualquer tipo de corrupção, seja ela ativa ou passiva.

Sobretudo, quando é utilizada por pessoas que, levando em consideração o uniforme que vestem, deveriam representar a autoridade, controlar e proteger.

Punir excessos é normal e legítimo. Em caso de falta, multa.

Voltando à estrada para Odessa, contei 17 controles de radar em 580 kms.

Fui parado novamente no controle de número 11 por alegação de que não havia feito um "STOP" completo na entrada de uma estrada principal.

Como não existia placa de STOP, não vejo por que deveria ter parado...

Da mesma forma, disse a ele que multasse e, depois de 5 minutos, ele voltou à moto com minha Habilitação e me mandou embora. Vitória número 2!

O controle de número 16 seguiu-me por uns 15 kms para ver se eu faria algo de errado...

Parei para almoçar e tive que encarar novamente o "borsch". Sopa a 32 graus!!!!

Começo a parecer aquele gringo da piada que por não saber o que comer em um restaurante no Rio,pedia sempre "feijoada"..... rsrs.

Cheguei tranqüilamente a Odessa que é bem maior do que eu pensava e achei, com a ajuda do GPS que agora começa a funcionar normalmente, um belo hotel de charme de 4 estrelas. Eu mereço, sobrevivi à polícia Ucraniana e ainda não tive que pagar multa...

Uma das coisas mais extraordinárias na viagem de moto é a expectativa de cada dia. Por mais que você planeje sua viagem, sempre haverão imprevistos e situações onde você deverá se desenvolver em completa improvisação.

Isso foi exatamente o que me ocorreu neste dia.
Depois de uma excelente noite em Odessa, cidade sofisticada e elegante, com seus imponentes edifícios bem restaurados, com seu teatro de estilo neo-clássico fechando uma alameda de árvores centenárias ao fundo na avenida principal.

Em resumo, uma perspectiva bem ao gosto dos arquitetos e urbanistas do regime comunista.

Em suas belas avenidas, restaurantes e bares dão o tom de um ambiente animado e festivo, apesar de só ser uma segunda-feira.

Fiquei hospedado em um lindo hotel de 4 estrelas. Decidi dar-me esse presente e fui jantar em um Pub Irlandês, onde, sentado nas mesas da calçada, tive a oportunidade de apreciar os locais passando e admirar (respeitosamente) a famosa beleza das mulheres ucranianas.

No início da viagem, meu primo Antonio, que vive em Nova York, desejou-me boa viagem e disse que esperava que eu fosse violado por uma ucraniana....

Isso é pouco provável que ocorra mas, a 100 kms de Odessa, na fronteira, eu quase me ferrei por ter-me enganado de país.

Isso mesmo! Enganei-me de país.

Explico:
Durante a preparação da viagem, e já falei dos cuidados que tive em relação aos aspectos geo-politicos desta região, li algo sobre a TransNistria, uma região ao sul da Moldavia que decidiu se tornar independente através de uma guerra civil em 1992.

Este estado dentro da Moldavia, se recusa falar romeno que é a língua da Moldavia, falam somente russo e, pasmem, são comunistas!

Este pequeno estado, para distração minha, controla toda a faixa leste da fronteira entre a Ucrânia e a Moldavia.

Um pequeno país como Liliput, sem reconhecimento por nenhum estado membro das Nações Unidas e, portanto, sem relações diplomáticas com nenhum outro país no mundo.

O otário aqui, chega com sua "mobilete" depois de passar a fronteira da Ucrânia sem problemas, e percebe que tem um monte de arame farpado, gente armada, sacos de areia fazendo trincheiras, etc.

Nossa, pensei eu, esses dois países não se apreciam muito...

Apresento meu passaporte como de hábito e o cara me manda estacionar a moto. Em russo.

Percebo o gesto e estaciono a moto.

Vou até ele e ele me pergunta em russo onde vou. Como meu russo é mais curto que coice de porco, respondo que vou a Chisinau, a capital (da Moldávia, o enemigo) para almoçar e depois sigo para a Romênia (que apóia a Moldávia).

O cara fecha a cara e me diz que alí não é a Moldavia, é a TRANSNISTRIA (prefiro chamar de Trans SINISTRA) e que se eu quisesse ir à Moldavia, deveria voltar para a Ucrania e entrar na fronteira 300 kms mais ao norte.

Foi aí que a ficha caiu. Droga! Tinha esquecido deste paísinho comunistóide de opereta e fui me enfiar exatamente na boca do lobo! Que amadorismo!

O negócio agora era administrar.

O agente e seu colega continuavam a bradar instruções em russo.

Tento falar em inglês e eles endurecem, dizendo:

Ya ni pa ni maio! Rusky gavariu! (Não entendo! Fale russo!)

Dizem que devo esperar pelo chefe. Vou para a moto e espero.

Nesses casos, como não sou "motociclista de primeira viagem", sei que devo ter paciência pois eles não vão me guardar ali por muito tempo. Você acaba se tornando um problema para eles.

Também sei que você precisa continuar mantendo a pressão.

Uns 15 minutos mais tarde, percebendo que todos os carros de cidadãos Ucranianios, Moldavos e Trans SINISTROS, passavam sem maiores problemas depois de preencher dois formulários de imigração, em russo, obviamente.

Voltei ao agente e perguntei a ele em inglês o que ele queria de mim. Ele continuou dizendo que não entendia. Sei que ele estava entendendo e continuei:

Por quê você está fazendo isso? Indaguei.

Vim como amigo, não tenho nada a ver com o conflito de vocês, simplesmente quero passar para poder retornar à Europa, onde vivo.

Aí, ele me disse, sempre em russo que eu deveria fazer uma "declaration" da moto e apontou vagamente um edifício a 100 m de distancia.

Fui até lá, encontrei outro agente uniformizado e perguntei sobre a tal de "declaration".

O cara me entregou um formulário em duas vias, totalmente em russo obviamente, para que eu preenchesse. Por sorte, encontrei um caminhoneiro que falava alemão e consegui preencher os detalhes do formulário.

O agente veio verificar se eu estava preenchendo bem o formulário e se interessou por minha caneta.

Terminei de preencher e dei a ele a caneta de presente. Isso facilitou um pouco as coisas para mim pois ele mudou de atitude e passou a ser um pouco mais amigável.

Paguei 11 dólares pelo direito de entrar na TRANS SINISTRA.

Voltei ao posto de imigração e preenchi mais dois formulários.

Levaram meu passaporte para dentro de um posto policial e me deixaram esperando por mais 30 minutos.

Finalmente, o chefe saiu da casinha, entregou-me o passaporte e disse que eu poderia ir.

Deteve-se na frente da moto e disse: Nice motorcycle! ( Em inglês. FDP! Falava inglês, o sacana!)

É uma moto cara, disse eu em tom de vingança. Você não vai ver uma rodando em país comunista.

Entrei em um país não só comunista mas também surrealista. Era como visitar a Albânia na época do Enver Hoxha.

Pobres, atrasados e militarizados. Comunismo em 2011 é como se alguém vier e te disser: Cara, eu agora sou hippie!!!

As estradas, bloqueadas por barreiras, trincheiras e blindados do exército russo, mantém a paz de forma artificial em uma zona de exclusão desde 1993!

Zona de guerra não é novidade para mim. Vivi no Iraque nos final dos anos 80 durante a Guerra entre esse país e o Irã.

Minhas atividades profissionais me levaram muitas vezes a países em conflito ao longo de meus mais de 30 anos de viagens a trabalho.

De moto, estive na Bósnia, Kosovo, e outros pequenos países com suas guerras.

Fui, portanto, tocando minha moto pela bússola do GPS e tentando me fazer invisível a cada passagem de controle, atividade difícil quando se está sentado em uma GSA.

Meu rumo era noroeste para tentar chegar à capital.

Eu sabia que teria que chegar a uma barreira para poder cruzar para o outro lado.

40 kms depois de ter entrado na fronteira, 4 horas mais tarde, encontro o ponto de passagem para a Moldavia.

O pessoal da Trans "Sinistra" me deixa passar e o agente da Moldavia me pergunta se estou trazendo armas ou drogas, fazendo o gesto com a mão dos dois dedos juntos apontados e o gesto de se injetar no braço...

Finalmente estou na Moldávia que vou cruzar em 3 horas.

Detive-me na capital para comer um MacDonald's como uma pequena vingança capitalista, visitei o centro da cidade, sem grande charme, com aqueles edifícios lisos, monstruosos e impessoais do comunismo.

Por uma estradinha em péssimo estado de conservação fui me dirigindo à fronteira com a Romênia onde dormiria para cruzar este último no dia seguinte.

O dia foi cheio. Surpresas, tinha tido todas.
Agora, é pensar que estou retornando para casa. Com uma ponta de tristeza, percebo que minha viagem vai chegando ao seu epílogo.

Daqui da fronteira da Romênia, são 2500 kms até Chantilly.

Amanhã vou curtir as estradinhas perigosas e fascinantes da Romênia, um país que, apesar de membro da União Européia, ainda vive dentro de suas tradições como há 50 anos atrás.

Depois da Romênia, a Hungria, Áustria, Alemanha e, finalmente, a França.

01 de Junho de 2011 - - - De Toplita (Romênia) a Viena (Áustria)
Depois de toda a adrenalina vivida na Moldavia e na tal de "TransSinistra", comecei a sentir o cansaço na chegada à fronteira da Romênia.

Em uma viagem de moto, você tem dois tipos de fadiga. O cansaço diário, resultado da atividade que você exerceu naquele dia e, o cansaço acumulado, como se você acrescentasse um pouco mais a cada dia que passa.

Você percebe que tem mais dificuldade para levantar-se pela manhã, tem um pouco de preguiça para refazer sua mala cotidianamente, percebe estar mais irritado e impaciente ao final do dia, etc.
Ao entrar na Romênia, pergunto ao agente, Estou na Europa?

Ele confirma e me dá as boas vindas. Sem grandes problemas, formulários ou carimbos mil.

De qualquer forma, a Romênia é um dos mais recentes membros da União Européia e está muito atrás em relação aos outros países-membros no que diz respeito a infra-estrutura e desenvolvimento.
Seu transito é caótico, perigoso. Os romenos são lentos em suas reações na condução de um veículo e, ao mesmo tempo, são rapidíssimos em mudar de idéia!

Logo após a fronteira, passo pela cidade de Iasi, e quase sou assassinado em duas oportunidades em menos de 10 segundos entre cada uma delas.

Dois carros frearam violentamente diante de mim na estrada para entrar à esquerda, sem deixar a pista e sem seta. Desvio milimetricamente pela direita e acelero para sair desse miolo. Quase imediatamente depois, um furgão vindo no sentido contrário vira à esquerda e cruza na minha frente.

Este, eu vi chegar. Antecipação. O segredo de nossa sobrevivência sobre duas rodas.

Decidi avançar algumas centenas de quilômetros antes de me deter para pernoite.

Gosto de andar de moto na Romênia. Apesar de seus motoristas com instinto assassino e seu trânsito caótico, o país tem uma singularidade de cultura e uma beleza de paisagens únicos.

Esta nação, antiga como a própria história, como testemunham suas centenas de castelos e mosteiros medievais, sofrida em seu passado recente de comunismo e a ditadura de Ceaucesco, se mantém à cavalo entre a cultura romena e a cultura dos "Roms", como são chamados aqui os ciganos.

30% da população do país é cigana. Eles vivem sua própria cultura e é muito engraçado ver as casas que fazem construir com seu aspecto oriental, absolutamente "kitch", com suas cores aberrantes e seu característico telhado metálico extremamente adornado.

A Romênia quase não tem auto-estradas. As vias de acesso devem obrigatoriamente passar por seus intermináveis vilarejos construídos ao longo da estrada. É como se o vilarejo tivesse somente uma rua. A estrada, exatamente.

Todas as casas são posicionadas junto à estrada, com portão, cerquinha e um indefectível banco na frente da casa, lugar de encontro e socialização principalmente ao final do dia, após guardar as vacas, cabras, gansos ou ovelhas.

Nesse sentido, a estrada é freqüentada pelos mais diversos personagens.

Na moto, enquanto cruza o vilarejo que pode ter até uns 7 ou 8 kms de comprimento, você se vê obrigado a dividir o espaço com vacas, cabras, tratores, carrinhos de mão, carroças de todo tipo, bicicletas, carrinhos de bebês, e mesmo com o "bebum" do vilarejo este, o mais imprevisível de todos.

As casas nas aldeias da Romênia são um espetáculo à parte. Finamente decoradas independentemente da condição social do proprietário, você não se cansa de admirar cada uma delas e acaba por lamentar não poder deter-se mais vezes para fotografá-las.

Aqui, você viaja ao ritmo da Romênia. Não ao ritmo da Europa.

Parei para fotografar uma carroça puxada por dois belos cavalos enfeitados com um grande adorno vermelho na cabeça quando um garoto veio e me ofereceu um punhado de sementes de girassol que eles comem permanentemente.

Retribui com meia barra de chocolate que tinha na bolsa do tanque. Com prazer verifiquei que ele fora levar o chocolate para dois outros amigos e os três dividiram o que havia.
As paisagens aqui são suaves, verdes e bucólicas. A vida parece correr a um ritmo muito mais tranqüilo como se a Europa para eles fosse algo distante. Entretanto, a Europa tem mudado muito a vida deste povo. Suas estradas vão ficando melhores e com isso, aumenta o transito de caminhões e veículos nos vilarejos aumentando por sua vez, o risco e o ruído para os habitantes.

Penso quantos carros de tração animal, ainda muito populares entre os agricultores são atingidos por motoristas enlouquecidos que insistem em cruzar os vilarejos a velocidades exageradas?

O dia, de calor e sol, vai com sua suavidade apagando as más experiências do dia anterior.
Toda atenção é necessária nestas estradas. Apesar da beleza da paisagem e dos aspectos curiosos deste país, seus motoristas, como disse antes, teimam em fazer coisas absolutamente imprevisíveis.
Vou, a uma velocidade bem limitada avançando em direção ao oeste, para a fronteira com a Hungria a 250 kms de distância.

Uma vez na Hungria, faço uma pausa para almoço, pois tenho vontade de comer um "gulash" famoso cozido de carne local. É um prato pesado para o calor que faz, mas decido me dar o prazer assim mesmo.

A estrada melhora muito na Hungria.

Farei 500 kms ainda neste país antes de chegar à Áustria, onde pretendo pernoitar.
O nível de desenvolvimento desde a Moldavia vai progredindo em uma proporção estável, a Romênia, a Hungria, até que chego à Áustria, já no espaço Schenghen, onde já não há controle de fronteira. Você simplesmente passa sem se deter.

Daqui, até a França, serão 4 países onde eu não terei mais que tirar o passaporte do bolso.

02 de Junho de 2011 --- De Viena (Áustria) para Chantilly (França)
Passei a noite em uma pequena pousada nos arredores de Viena. Tinha feito no dia anterior 800 kms, incluindo 300 na difícil Romênia e estava muito cansado para entrar no transito da bela Viena.

A pousada que consegui por modestos 43 euros com o café da manhã incluído, me convinha enormemente. Além do mais, dispunha de um excelente restaurante e, depois de muitos dias, pude apreciar uma cozinha mais sofisticada, acompanhado de um excelente vinho tinto austríaco.

Acordei cedo neste que viria a ser meu último dia desta fascinante viagem.

Ainda, no café da manhã, considerava fazer um pernoite na Alemanha antes de chegar em casa.

Decidi, no retorno, não visitar os Mosteiros Pintados de Bucovina, na Romênia, pois já os tinha visto em viagem com Graça em 2007.

Eu os tinha incluído no programa para mostrar a meus amigos italianos mas, como acabei continuando a viagem em solo, não fazia sentido para mim perder um dia por essa razão.

Chegar com um ou dois dias de antecipação em casa me permitiria ter o fim de semana para descansar e retomar meu trabalho na segunda-feira, repousado e feliz.

Uma vez tomada a excelente auto-estrada austríaca, sempre com o sol nas costas pela manhã e no rosto à tarde, vejo que, apesar de ser um feriadão católico e as estradas estarem muito movimentadas, posso desenvolver uma boa velocidade.

300 kms depois, já passando a fronteira da Alemanha, em Passau, vejo que o GPS me dá uma chegada em casa às 19:15 hs.

É óbvio que o GPS não considera as paradas para abastecimento, pipi e descanso.

Se eu calcular 1, 1:30 hs para isso, chegaria em casa em torno das 20:30 hs.

Viável, pensei.

De qualquer forma, são 1300 kms. Um recorde de distância em um mesmo dia para mim.

Neste primeiro dia de um longo fim de semana de feriado, verifico que as estradas Austríacas e Alemãs estão abarrotadas de motociclistas.

Todos se cumprimentam, conversam nas estações de serviço e se encontram nos restaurantes de beira de estrada.

É a paixão deste veículo estranho, perigoso e ao mesmo tempo fascinante.

Quando você está em uma viagem de motocicleta, seu corpo, seu espírito, sua mente e sua alma, estão expostos às intempéries físicas, psicológicas e emocionais de uma jornada como a qual eu vou terminando agora.

Não gosto de chamar minhas viagens de expedição nem de aventura. São apenas viagens de turismo. Um turismo diferente, mas sempre turismo.

Enquanto vou curtindo a boa estrada, sua ausência de buracos ou irregularidades no asfalto, vou lembrando de todos aqueles lugares em que passei e que agora, nesta paisagem perfeitamente organizada em um ambiente totalmente europeu, me parecem tão distantes e remotos.

Entretanto, todos esses lugares, essas pessoas, as situações, os momentos, os amigos que fiz, as dificuldades que passei (felizmente, não muitas), tudo ficou indelevelmente impresso em mim.

É como se meu espírito tivesse recebido uma nova tatuagem de lembranças registros e emoções.

Como é bom viajar! Como é bom viajar de moto!

Que bela reação causa a moto nas pessoas!

Os dias que passei com meus bons amigos italianos foram cheios de carinho e amizade. Compartimos experiências risadas e momentos adoráveis.

Agradeço a eles pela generosidade de ter entendido quando disse que gostaria de continuar minha viagem sozinho para poder assim, ter mais contato com as pessoas e lugares que visitaria.

Sou privilegiado por poder fazer o que mais gosto. Este privilégio, se apóia em vários pontos essenciais:

O tempo necessário para a viagem, os recursos financeiros, a excelente motocicleta e o equipamento que utilizo e, sobretudo, a vontade de fazê-lo.

Quando você consegue reunir todos esses elementos, que é o meu caso, seria realmente um pecado não se lançar à estrada.

Chegando em casa, terei percorrido 9.860 kms em 21 dias.

Cruzei 14 países e fiz uma média de velocidade de 87.5 kms/h ao longo desta viagem (Esta última sensivelmente aumentada pelos 3000 kms de autoestradas européias na saída e na volta, com velocidades médias de mais de 130 km/h).

Foram 611 litros de gasolina e 112 horas sentado sobre a sela da moto.

Acima de tudo, se o que escrevi neste site, (com o apoio de meu amigo Eduardo Wermelinger a quem agradeço aqui, por sua disponibilidade e eficiência em prontamente encaminhar meus textos e fotos), se o que escrevi, servir, uma única vez, para apoiar a viagem de outro amigo motociclista, já terá largamente e absolutamente valido a pena.

Sou absolutamente grato pelo apoio e incentivo que recebi de vocês, amigos que não conheço pessoalmente, e com os quais compartilho esta paixão pelas duas rodas, pelos comentários colocados no site do Rotaway.
Obrigado pela paciência demonstrada para com este cronista amador.

Vocês viajaram comigo, na sela de minha moto e no calor de meu coração.

O perfume da floresta chegando à minha querida Chantilly, é um claro sinal de boas vindas.

Faço uma última foto em frente a seu belo castelo, antes de chegar à minha casa.

Abraço a todos e até a próxima!!

E estejam certos de que haverá uma próxima.

Ricardo Lugris

cosafare e cosavedere